por Luiz Mourão
Fruto de um tempo de inovações tecnológicas, a Era dos Recebíveis faz parte de um movimento de emancipação dos varejistas e comerciantes do Brasil. Não é novidade que a dependência do crédito tenha levado pessoas a se renderem a altas taxas e a decisões arbitrárias por parte daqueles que detém o poder financeiro. Em resposta a esse domínio, as recentes atualizações regulatórias e a disseminação do open banking prometem maior equidade a essa relação.
Para entender como esse terreno das transações com recebíveis tem se tornado tão fértil ao varejista, é necessário compreender o contexto em que ele se formou. A história das transações com recebíveis no Brasil está intimamente ligada ao desenvolvimento do setor bancário e à evolução das práticas comerciais no país. Para entender essa trajetória, é importante considerar como as necessidades de crédito e liquidez das empresas foram atendidas ao longo do tempo, levando à criação de ferramentas e mecanismos específicos, como o uso de recebíveis para antecipação de recursos.
Os primeiros recebíveis a serem comercializados no país foram as duplicatas, por volta dos anos 30, em reflexo a uma maior demanda por capital de giro em um período de plena expansão industrial. Mas foi na década de 60 que a demanda por crédito passou a formatar modelos de negócio acessíveis ao pequeno e médio empresário. Assim surgia o Factoring, uma modalidade de crédito que possibilita fluidez imediata, por meio da venda da carteira de recebíveis e outros serviços como análise de crédito dos clientes e cobrança.
Esse modelo cresceu significativamente, principalmente no setor comercial e industrial, dando mais opções às empresas para gerenciar seu fluxo de caixa. A regulamentação do setor foi oficializada no Brasil nos anos 1980, garantindo mais estrutura e segurança jurídica às operações, além de preparar o mercado para novidades que se seguiram nos próximos anos.
A popularização do cartão de crédito trouxe mais uma possibilidade de transação ao consumidor, mas também um novo tipo de recebível. Com a nova tecnologia, agora o lojista teria a garantia do pagamento, mesmo que parcelado. Isso gerou a possibilidade de antecipar esses recebíveis, permitindo o recebimento do valor total da venda antes do prazo estabelecido. Com a consolidação do novo meio de pagamento, aumentou-se o investimento na área e, por consequência, a estrutura e o poder das adquirentes, como Cielo, Rede, GetNet, Stone e PagSeguro, as quais tornaram-se onipresentes no mercado de crédito.
Aliando a recorrente demanda do empreendedor brasileiro por crédito e o alcance quase infinito do autofinanciamento, essas empresas passaram a oferecer dinheiro diretamente aos clientes. Por meio da integração dos próprios sistemas e do acesso privilegiado aos dados do cliente, as adquirentes sempre contaram com a praticidade e o fácil acesso a suas máquinas por parte dos comerciantes, para facilitar a obtenção de dinheiro, mas a um custo alto, e definido por um pequeno grupo de pessoas.
Toda essa construção direcionou o mercado para o cenário que se enxerga atualmente. Banco Central e a CVM (Comissão de Valores Monetários) trabalham a partir do clamor e de ações da sociedade civil, que na figura de empreendedores e investidores, passaram a se dedicar a equilibrar as coisas.
Uma dessas iniciativas é justamente o open banking, cuja ideia central é permitir que consumidores e empresas compartilhem seus dados bancários com diferentes instituições financeiras, promovendo a integração necessária para o surgimento de novos produtos, plataformas e ofertas. Através das APIs (interfaces de programação) e a partir do consentimento dos usuários, bancos e fintechs podem acessar informações, oferecer crédito a menores taxas, investimentos e outros serviços financeiros personalizados.
Com as novas possibilidades, a urgência por crédito diminui e, consequentemente, a negociação se torna mais flexível. Diferentemente das últimas décadas, a oferta de recebíveis agora transita com maior liberdade entre os interessados, proporcionando ao varejista mais autonomia e poder de escolha. A antecipação de recebíveis por meio de fintechs surge como a alternativa que faltava ao mercado, contrapondo-se às práticas abusivas que quase equipararam essa modalidade aos antigos modelos de empréstimo com juros exorbitantes. Diante desse cenário em transformação, é o momento de o empreendedor refletir e decidir como aproveitar essas oportunidades para impulsionar seu negócio.