por Amanda Pego
No ambiente empresarial contemporâneo, é essencial compreender os principais aspectos e características das relações de consumo, bem como os elementos que as constituem. Essas relações não apenas influenciam a conformidade legal das operações, mas também afetam estratégias de negócio, gestão de riscos e reputação corporativa.
A relação de consumo é estruturada em torno de três elementos essenciais:
- Consumidor: Conforme o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
- Fornecedor: Definido no art. 3º, caput, do CDC, é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, além de entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
- Produto ou Serviço: O produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial (art. 3º, §1º, do CDC). O serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, incluindo as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, exceto as decorrentes de relações trabalhistas.
Aplicação da Teoria Finalista nas Relações de Consumo
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que a aplicação do CDC baseia-se na Teoria Finalista, onde o consumidor é aquele que adquire o produto ou serviço como destinatário final, excluindo o consumo intermediário. Ou seja, quando uma empresa adquire um produto ou serviço para utilizá-lo como insumo em sua atividade produtiva, não se configura uma relação de consumo protegida pelo CDC.
Exemplo Prático:
Uma fábrica de móveis que compra madeira para fabricar seus produtos não é considerada consumidora final da madeira, pois este material é um insumo em sua atividade produtiva. Portanto, a relação entre a fábrica e o fornecedor da madeira não está sob a proteção do CDC.
Exceção pela Teoria Finalista Mitigada
Excepcionalmente, o STJ admite a aplicação do CDC a pessoas jurídicas que, mesmo utilizando o produto ou serviço como insumo, demonstram vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica em relação ao fornecedor. Esta é a chamada Teoria Finalista Mitigada.
Exemplo Prático:
Uma pequena empresa de software adquire um complexo sistema de gestão de uma grande multinacional. Se a empresa compradora não possui expertise técnica para compreender integralmente o produto e está em desvantagem econômica e jurídica em relação ao fornecedor, pode ser considerada vulnerável. Nesse caso, apesar de usar o sistema como insumo, pode-se aplicar o CDC para protegê-la em eventuais litígios.
Relação entre Credenciadoras de Cartão de Crédito e Estabelecimentos Comerciais
No âmbito dos serviços financeiros, a relação entre credenciadoras de cartão de crédito e estabelecimentos comerciais é particularmente relevante. Os estabelecimentos contratam serviços de captura, roteamento, transmissão e processamento de vendas para otimizar a distribuição de seus produtos ou serviços. Embora essa relação vise aprimorar a atividade empresarial, não é essencial para a operação do negócio, caracterizando-se como uma operação de meio.
O STJ tem reconhecido que, se o estabelecimento comercial demonstra vulnerabilidade em relação à credenciadora — seja por falta de conhecimento técnico sobre as complexidades dos serviços financeiros ou por estar em posição economicamente desfavorável —, aplica-se o CDC nessa relação.
Considerações Finais
Para profissionais do mercado, é crucial reconhecer que:
- A aplicação do CDC não se limita à figura tradicional do consumidor pessoa física, podendo alcançar pessoas jurídicas em situações específicas.
- A vulnerabilidade é o critério determinante para a proteção conferida pelo CDC em relações não convencionais de consumo.
- Contratos firmados entre empresas devem ser analisados sob a ótica da finalidade da aquisição e da existência de vulnerabilidade, para determinar a aplicação ou não do CDC.
Compreender esses conceitos permite que investidores, juristas e comerciantes atuem de maneira informada, garantindo a conformidade legal e promovendo relações comerciais mais equilibradas e justas.